Rio de Janeiro, Botafogo,
dezembro de 2012.
Oi, amiga. Linda amiga. Amada amiga.
Hoje eu acordei
pensando em você. Lembrei que você sempre me acordava com música
alta e se irritava quando eu me demorava na cama. Lembrei que você
gostava de sair para caminhar às 07h da manhã ao som de um bom
reggae. Lembrei que seus olhos miúdos observavam tudo. Olhos de
coruja, eu dizia. Lembrei, minha amiga, que eu já não te vejo há
exatos cinco anos.
Cinco dolorosos anos
em que só ficou, de nós duas, a dor da saudade. Mas não é só
dor. É uma angústia infinda. Aquela angústia de saber que talvez
eu nunca mais te veja. Aquela angústia de saber que seus olhos
miúdos já não me pertencem. Aquela angústia que que me faz acordar assim, doente de saudade.
Acho que também
lembrei de você por conta do verão. Lembro bem que você venerava a
praia, o sol, o mar. Gostava de virar camarão. E sempre dizia, toda
feliz, que estava ficando pretinha, feito eu. Você me acolheu sem
pedir nada em troca. Você me dava a sua vida de presente todos os
dias. Você sofreu comigo a dor do preconceito. Guerreou comigo, e
mesmo sendo branquinha e bonequinha, tomou a briga pra si. Você me
dizia: eu também sou responsável, essa luta também é minha.
Linda amiga. Já são
tantas e tantas cartas acumuladas pra você e sobre você, que eu
transformei todas elas em um móvel da minha sala. Ficam ali, ao lado
do sofá, empilhadas umas às outras clamando resposta. Eu já não
sei mais seu endereço. Tenho medo de saber. Tenho medo de ter
notícias de você. Tenho medo de descobrir que você acorda alguma
outra amiga com música alta. Nutro um ciúme silencioso, doentio e
inútil por você.
Queria poder te
contar dos meus dias, dos meus amores, das minhas moradas. Queria
poder te dizer que eu já tenho 4 sobrinhos e que o meu irmão caçula
se tornou um homem alto, lindo, que anda de skate e ouve Ponto de
Equilíbrio. Lembra aquele dia do campeonato de arroto? Lembra como
ele era um menininho? Pois é, ele cresceu junto com o tempo. Lembra
que eu odiava o Rio de Janeiro? Pois é, minha amiga, eu paguei com
minha língua e hoje eu moro nessa cidade maravilhosa. E morro de
amores por ela todos os dias.
Esses dias, andando
pela Lapa, me veio à memória o dia em que você me falou que
gostava do Rio de Janeiro porque gostava das coisas simples da vida,
como as batidas do reggae - aliás, quase tudo na vida você
comparava às batidas do reggae. Eu retruquei, disse que no Rio de
Janeiro só tinha praia e que praia tinha no Brasil inteiro. Pobre de
mim. Coitada de mim. Diminuí o Rio aos seus bons quilômetros de
Copacabana e Ipanema.O Rio é Copacabana e Ipanema. Mas é mais.
Muito mais. O Rio é paradoxo, é caos, é beleza imensurável, é
ousadia, é enfrentamento, é vida, é samba. O Rio é reggae. Eu
aprendi a amar esse lugar, minha amiga, dia-a-dia. Ele foi me
conquistando - do Funk à Bossa Nova - foi me enfeitiçando, foi me
pegando com tesão. Quando eu me vi, estava submersa nas ruas, nos
cheiros, nos quereres. O Rio me permitiu viver tudo, amiga. Eu disse
tudo. Exatamente do jeito que você está pensando.
Aquele meu amor pelo
samba, continua. Mais forte ainda, eu diria. Morar em uma cidade que
respira repique, pandeiro e tamborim só fez esse amor se transformar
em um pedaço de mim. Encontrei algumas paixões pelo
caminho. Colecionei um tantinho de lágrimas com a mesma intensidade
em que colecionei risos. Deus me deu a oportunidade de conhecer
amigos. Amigos de cerveja, de bebedeira, de choro, de luta. Amigos de
fé e de cumplicidade. Amigos que me acolheram também. Amigos,
desses assim como você, que o tempo não apaga.
Tô escrevendo pra
você enquanto eu observo o céu carioca. Acho que essa carta, na
verdade, é uma prece. Acho que é oração. Acho que é o jeito que
eu tenho encontrado, todos esse anos, de te manter viva em mim. Acho
que é um pedido silencioso para que você venha. É uma carta
egoísta. Hoje, minha amiga, eu queria você só pra mim.
E sim, eu acho que
se eu fizer um esforço, eu consigo te reencontrar. Mas me falta a
coragem. Tenho medo, receio. Talvez eu precise que você permaneça
na minha vida exatamente assim, transformada em cartas e mais cartas
e mais cartas.
Quem sabe, minha
amiga, você seja na minha vida as batidas do reggae.Ora pausadas,
ora demoradas, ora doídas.
Eu, de minha parte,
te ofereço o batuque do meu samba.
Te ofereço mais. Te
ofereço todas as minhas palavras, todos os meus acentos e todos os
meus versos.
Te ofereço o meu
mistério. O resto, minha amiga, o resto é bobagem. Bobagem.
Lu.