domingo, 17 de novembro de 2013

Kimi

São Paulo, Liberdade, junho de 2013.

Kimi,

Hoje, domingo, passei pela Liberdade e pensei em você.
As ruas do bairro mudaram, a praça mudou, não vejo mais o seu banco preferido - onde nos conhecemos, por sinal. Os rostos já não são familiares. Tudo diferente. Eu também mudei. E, desde àquele domingo, já se passaram 6 anos. Numa outra vez, passei pelo prédio e descobri que o Sr. Fujimoto se mudou para Santos. Eu queria notícias suas, também queria saber como foi que você partiu. O porteiro não se lembrou de você.

Doeu perceber que o seu rosto, sua vida, cairam no esquecimento. Realmente, permanecemos para poucos. Gostaria de dizer que, em mim, você ficou. Ficou o seu nome, sua voz, seus olhos pequeninos e rasgados, ficou o seu sorriso tímido.
Me lembro, também, Kimi, do dia que toquei em seus cabelos brancos e a vi se encolher feito bichinho assustado, dizendo: “Kimi não sabe receber carinho. Kimi nunca teve carinho.” Eu te ensinei carinho, Kimi, e você me ensinou que o coração e a alma falam aquilo que a boca não dá conta de dizer. “Moça não tem de preocupar que não sabe falar japonês, coração fala, e Kimi vê o coração de moça”. Ensinar carinho para uma mulher de 90 anos e, de graça, aprender que, para tocar e alcançar o outro, basta o pouco que temos. Basta querer. Basta sentir. Basta ter coração.
Coração foi a sua linguagem. Me lembro que te fiz uma poesia, e sua resposta foi: “Parece que moça leu o coração de Kimi”.

E, por falar em coração, na última vez em que nos vimos e você estava lúcida, eu estava sozinha e não tive coragem de dizer que não namorava mais “o moço”. Vocês se gostavam tanto. Peço desculpas por não ter te contado, quis poupá-la.  Fosse hoje, eu contaria.
O amor acaba, não é? E aquele amor se findou, ou melhor, se transformou só em carinho. Outras pessoas vieram, e conheci a paixão, D. Kimi. Descobri que paixão dói. Mas, me senti viva e, por isso, feliz. Descobri tantas outras coisas que o coração é capaz de sentir. Descobri, ainda, que se tratando dos quereres, somos e seremos sempre aprendizes. E o amor está aí, à espreita, chega quando menos esperamos, sempre pronto a nos pregar peças, sabores e dissabores.

Ainda guardo o seu broche - em formato de flor. E a presilha, tão linda, usei algumas vezes, mas perdi numa mudança. Uma pena. Adoraria usá-la de novo, combinava com a cor do meu cabelo.


Sabe as histórias que você me contava, de sua juventude? Continuam vivas. Histórias não morrem, transpõem tempo, espaço, gerações, cores, cheiros, e permanecem inteiras em tudo o que a memória achou por bem eternizar. A nossa história será uma dessas. Sei que um dia ela chegará aos ouvidos de meus filhos, netos, das pessoas que eu amo.

Quando a vi pela última vez, você estava mal, inconsciente, mas se agitou e se debateu quando ouviu a minha voz. Você me reconheceu? Sinto que sim, Kimi, e isto me conforta. Conforta pois sei que nunca deixei de dizer o quanto foi lindo esta nossa conexão. Conforta pois sei que nosso encontro foi também de almas. E esta cena já é das coisas mais marcantes da minha vida.
Agora, permanece a saudade. Permanece a certeza de que a vida é a arte do encontro. E, que bom ter te encontrado. Domo arigato gozaimashita!

Com amor, Carol/Moça.


"Quero que saibas que me lembro
Queria até que pudesses me ver
És parte ainda do que me faz forte
E, pra ser honesto,
Só um pouquinho infeliz.
Mas, tudo bem
Tudo bem."

15 comentários:

  1. Lindo Thaís!
    Essa carta trouxe a lembrança momentos vividos contigo, momentos que não voltam mais, creio que assim como D. Kimi, que conheci através de você, momentos que ainda estão vivos na minha lembrança. Quando vi o face hoje cliquei no seu blog, bateu uma saudade de você, de tanta coisa vivida. Espero que estejas bem! Ah! eu também quero contar de uma amizade que nasceu na net e que teve momentos muitos bons e edificantes. Saudade! Bjão

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    1. Nita, querida! Obrigada pela visita, obrigada pelo comentário. Obrigada pela amizade e, muito, muito, obrigada por todas essas sementes que semeamos com carinho. Saudades também. Beijoca.

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  2. Caramba, amiga... O mundo tá tão cheio de palavras, né? Mas diante dessa carta, todas as palavras sumiram de mim, só ficaram os sentimentos. Eu demorei alguns minutos pra digerir. Li e reli. Fiquei inerte. Mas não podia deixar de dizer o quanto essa carta me fez mais feliz. Diante desse mundo louco, ler uma carta dessas, feita de amor e delicadeza, é um presente raro nesta segundona de meu Deus. Obrigada, obrigada e obrigada por ser minha amiga, também. Obrigada, Kimi, por ter feito de minha amiga um ser com mais luz, mais amor e mais fé nas coisas lindas da vida. <3

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    1. Ai, amiga, que linda você. Que recado lindo. Obrigada pelo carinho. Obrigada pelas palavras que são quase um abraço. Te amo.

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    1. Helô, que chique receber a sua visita, hehe. Obrigada, viu? Beijo

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  4. Estou deslumbrado com a sensibilidades de vcs conseguirem tocar, tão profundamente o meu coração e minhas memorias, com simples palavras... obrigado por abrilhantar minhas noites virtuais!!!
    Não parem nunca de escrever e á qualquer momento estarei compartilhando minhas cartas, que nunca foram escritas, mas nunca saíram das minha memorias.

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    1. Anônimo, agradecemos o seu comentário, sua visita e suas palavras. Ficamos muito felizes por saber que, mesmo de longe, essas palavras o alcançaram. Opa, escreva mesmo, e publicaremos aqui. Abraços.

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  5. Emocionei, Thais. Lindo demais tanto estas suas palavras qto as da Luana. Me enchem de emoção ao lê-las. Elas me fazem tão bem...

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    1. Ediléia, pode ser Thaís, também pode ser Carol...é o bom de ter nome composto, rsrs. Nos emociona, a mim e a Luana, saber que neste compartilhar de cartas, compartilhamos também emoção. Obrigada pela visita e pelo comentário.

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  6. Nossa fiquei emocionada...
    Lindo de mais! Parabéns meninas, vocês nasceram para escrever. Beijocas.

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  7. Fofa! Arrepia no blog, sucesso procês.

    Beijos, beijos, much love,

    Bela - A Casada, A Poupadora e A Amiga com Saudade

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    1. Belíssima, a rainha dos blogs!
      Obrigada, amore.
      Que saudadeeeeeeee! Será que nos encontramos antes do ano acabar? deveríamos.
      Beijo, beijo

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