sábado, 2 de novembro de 2013



Gosto de cartas. Sempre gostei.

Gosto tanto, que das muitas e tantas cartas que eu escrevi – e escrevo – raras são as que não voltam para a última gaveta da minha escrivaninha. Umas se amontoam às outras em meio à poeira. Poeira que permanece ali não por falta de limpeza, mas pelo excesso das marcas que o tempo insiste em deixar.
Eu tenho uma timidez que me incomoda. Tenho uma falta de coragem de olhar para aqueles olhos castanhos e dizer o quanto são lindos, o quanto me encantam. Aí, por não verbalizar, eu transformo aqueles olhos castanhos em uma, duas, mil cartas. Esses olhos castanhos transformam-se em pretos, amarelos, coloridos – a depender do meu estado de humor e do meu grau de inspiração.
Eu estabeleço com minhas cartas uma relação democrática de me arriscar sempre que quero. Elas me permitem sonhar. Mais do que sonhar. Elas me permitem transformar meus sonhos em palavras, em momentos, em história. Elas aceitam a minha raiva e a minha dor. Aceitam os meus extremos.
E ficam ali, guardadas e escondidas na tal gaveta. Me falta a tal da coragem de ir ao correio. Não gosto de pensar em como seria a reação daqueles olhos castanhos ao saber que, para mim, são os olhos castanhos mais lindos que eu encontrei nos vagões da vida. Não gosto de parecer ridícula, mesmo sabendo que a ridicularidade está presente em quase todos aqueles sensíveis à vida.
Confesso que dia desses eu cheguei a ir ao correio. Me veio uma coragem repentina e eu, no meio do trabalho, pensei – é agora – e inventei alguma desculpa qualquer pro meu chefe. Cheguei ao correio, cheguei a pegar a senha A28. Permaneci ali - linda, feliz e corajosa - até que o atendente grisalho gritasse em alto e bom som: Senha A28, por favor.
Estremeci. Minhas pernas bambearam. Um misto de pânico, terror e aflição. Desisti. Fingi que não era comigo e saí de lá como quem foge de um cão raivoso. Não sei. Não sei se desisti porque no fundo eu não queria que essa carta chegasse ao seu destinatário ou se é porque eu me senti intimidada pela chamada pouco discreta do atendente grisalho. Quando ele me gritou a tal da senha A28, pra mim foi como se ele falasse – Ridícula romântica da parada que vai se declarar para um tal de olhos castanhos que nem é tão bonito assim, venha pagar seu mico. 
Juro. Me senti despida. Parecia que o tal do atendente e todas aquelas 30 pessoas que ali aguardavam sabiam de todo o conteúdo da carta. Pareciam debochar de mim. Então, eu desisti. 
Voltei pro trabalho. Me frustrei. Me acusei. Me puni. E escrevi, depois desse episódio, tantas outras cartas. Todas tiveram o mesmo destino – a tal da última gaveta da escrivaninha.
Quase todas, quero dizer. Digo quase todas porque, feliz que sou, encontrei nessa minha estrada alguém que também passou a vida escrevendo. Passou a vida se frustrando. Passou a vida olhando com pavor o tal do atendente grisalho. Aliás, #quem nunca?
Assim, em meio ao alvoroço dessa nova onda tecnológica em que para se enviar uma carta é necessário apenas um enter, nós - eu e ela - resolvemos juntar nossa timidez para que ela se transformasse em coragem. Ou melhor, para que ela se transformasse em um endereço eletrônico público em que, lá das ilhas Maldiva, alguém leia e ria das nossas ridicularidades, e se reconheça nela.
Nós, eu e ela, resolvemos assumir o mais ridículo em nós, o mais brega. Decidimos que nossa verdade deve ser compartilhada. E cá estamos.
As cartas, em nossas vidas, cumpre uma função que eu considero fundamental. Elas nos permitem que não percamos a ternura.
Podemos perder a postura, o prumo, o trato. Mas não podemos perder a ternura, jamais.
Que façamos dessas cartas poesias.
E - pra vida ter mais sentido - que sejamos poesia. Poesia.

Luana Rocha.


6 comentários:

  1. Amiga, que texto lindo. Que sensibilidade.
    Escolhi muito bem minha parceira de blog, parceira de cartas, parceira de vida.
    Ai, tantas e tantas senhas A28...rs.
    <3

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  2. Parceira melhor não há, minha amiga linda. Te amo <3

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  3. Palavras lindissimas, nossa, fiquei completamente sem a!!!

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  4. Palavras lindissimas, nossa, fiquei completamente sem a!!!

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  5. Lindo... sensível. ...poético. .. Amei Lu! Beijos

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    1. Mari, linda! Obrigada, meu amô... É uma honra te ter como amiga e leitora do blog. <3

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