segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Oi, Maninha.


Avaré, 05 de Janeiro de 2014.

Hoje, meu último dia de recesso do trabalho, eu parei para rever minhas caixas de memória. Hoje, sem querer, sem pensar e sem forçar, eu relembrei você. Das cartas às fotos E lembrei o quão doloroso é saber que a nossa amizade, tão viva e tão plena no passado, anda doente e distante nesse presente de meu deus.

Reli as muitas cartas que você me escrevia e sempre me integrava dizendo: não lê na minha frente, tá lu? Tenho vergonha. Revi as fotos do seu casório e pude revisitar aquela sensação única que só um casamento árabe me fez sentir. Desde a sua entrada, com risos e palmas (contrariando as tradições dos chorosos casamentos cristãos), até a dança de roda que só fez unir todos os convidados em uma só emoção e um só querer.

Recordei as divertidas tardes de estudo regadas a almoços deliciosos e fofocas sem fim. E lembro, minha Maninha, lembro que você por muitas vezes foi capaz de trocar o seu sorriso pelo meu. Lembro do quanto você vibrou com aquele meu inacreditável 8,5 em matemática. Resultado do seu amor em minha vida, do seu cuidado.

E aquele dia na avenida paulista? Você consegue recordar? O dia em que você foi testemunha de uma linda história, que anda tendo resquícios no meu coração ainda hoje, quase sete anos depois. Até ali, quando meus olhos brilhavam e meu coração batia em ritmo de escola de samba, até ali você estava comigo, minha Maninha.

Você, minha Maninha, continua sendo uma das pessoas mais bonitas que eu já conheci. E olha que eu já pude conhecer algumas pessoas nessas minhas andanças pelo mundo. Mas não, eu não falo só dessa sua beleza física imponente. Falo de uma beleza branda, serena, poética. Falo de uma beleza pura, livre, que faz com que lágrimas de eterna gratidão caiam dos meus olhos inundando o meu coração com os sentimentos mais belos.

Fico pensando em como Deus foi bom em ter permitido esse nosso encontro. Por isso eu resolvi te escrever. Para te manter em mim. Tenho medo de te esquecer, tenho medo de ter raiva dessa nossa distância continental, tenho medo que o tempo deixe a nossa amizade presa no passado. E eu não quero ela presa. Quero ela livre, como sempre foi.

Sim, eu sei que nossos caminhos tomaram rumos visivelmente diferentes. Você se casou, teve duas filhas e mora no Canadá. Eu terminei aquele namoro (sim, Maninha, papo pra outra carta), adotei a Mafaldinha – minha filha felina – e trabalho no interior de São Paulo, depois de ter armado barraca por uns tempos no Rio e no Sul.

Sim, também sei que a nossa comunicação anda péssima, por ambas as partes. E sim, desde o nosso último abraço, em meados de 2012, eu realmente não faço a menor ideia de quando te abraçarei de novo.

Aliás, receba essa carta como um abraço, minha Maninha. Ela é o meu abraço, o meu beijo, o meu cuidado, o meu querer. Ela é um tantinho desse meu amor por você.

Eu não podia deixar que 2014 entrasse na minha vida sem te visitar em palavras. Não podia seguir por esses primeiros dias calorosos de janeiro sem desejar a você todas as luzes divinas. Não podia me jogar no mundo sem cantar pra você todo o meu carinho e todo o meu afeto.

Você me faz mais forte, sabia?

Porque só de te escrever – mesmo não sabendo se você vai ler – eu me sinto mais leve. Sabe aquela sensação purificante que a água de uma cachoeira nos causa? Então, é assim que eu me sinto, nesses restinhos de palavras.

Obrigada por me amar, minha Maninha, mesmo que em silêncio.

Obrigada por compreender os meus sumiços. Obrigada por me fazer crer que não há oceano no mundo capaz de calar nossa amizade.

Eu te quero bem, minha Maninha.

Te quero bem.
 
Lu.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Amor de Maria

São Paulo, Vila Mariana, 9 de dezembro de 2013.

Vó, esta noite sonhei contigo, não me lembro o quê, mas sei que vi o seu rosto. E eu gosto quando sonho contigo, sinto que estivemos juntas de novo. Sonho é realmente uma maneira de estar perto. Alguns sonhos são tão reais que acordo e corro pra escrevê-los, numa tentativa de guardar as sensações. Sonhar me permite ser livre e eu gosto de liberdade. Nos sonhos desafio às leis da física, desafio a geografia, posso ser mil coisas ao mesmo tempo. E quando recebo a bênção de encontrar os seus olhos – que nunca soube definir se eram verdes ou azuis – sinto uma enorme gratidão.

Foi num dezembro que você se foi, e já se passaram 8 anos. Nem dá pra acreditar. Fica um gostinho de saudade. Saudades do seu cafuné, do seu carinho meio desajeitado, do seu cuidado comigo. Das risadas. E saudades, também, de te cuidar.
Dia desses, lembrei que quando eu era criança, detestava me despedir dos outros, principalmente de você. Mês de férias, quando viajávamos para o interior, eu não me preparava para a viagem, me preparava para as despedidas, sabia que ia sofrer. E era um baita chororô, eu de um lado e a senhora do outro. Continuo odiando despedidas, continuo chorando na hora do tchau. Mas contigo, eu contava com o reencontro.
Aí, quando você se foi - pra sempre – se foi em silêncio, se foi de surpresa, foi sem dar tchau. Foi sem que eu pudesse me despedir. Na última vez que a vi, você estava com um rosto sereno. Você trocou a dor da despedida, o choro, por um boa-noite com sorriso.
Sabe que naquela manhã chuvosa, antes de a encontrar, acordei morrendo de vontade de beber o seu café? Sabe, também, que naquela manhã, como em todas as outras, se eu pudesse, diria mais uma vez o quanto a amo?

E por falar em amor, vó, você foi minha maior experiência de amor. Amor de graça. Amor puro. Amor sem interesse. Amor de tanto, amor de muito. Amor de cumplicidade no olhar, amor de admiração. E eu sempre a admirei. É bem verdade que quem traz no corpo essa marca, Maria, mistura a dor e a alegria. Mais verdade ainda: carrega essa estranha mania de ter fé na vida. Sua fé, seu amor, me transformaram, vó. Você sempre acreditou que haveria para mim um caminho de paz, mesmo quando não havia motivos para assim o imaginar. E, hoje, mesmo que cambaleando, mesmo que com passos tortos, eu tento seguir adiante. Eu tento me manter em pé. Eu tento escolher o caminho do bem. Eu tento lembrar que também trago no coração essa marca sua, essa marca Maria.

E suas sementes, vó, continuam florescendo. Ganhamos outra Maria, a Maria Julia, ela é linda, muito linda, e todos dizem que tem os seus olhos. Quando estamos todos juntos, sempre pensamos que a senhora seria a bisa mais babona desse mundão, rs.

Vó, eu sempre achei incrível que você soubesse ler, ainda que não conseguisse escrever nem mesmo o próprio nome. E como eu adorava quando a senhora lia pra mim, sabia? Não sei se pelos óculos engraçados, não sei se pelo prazer de estar grudada a você, num tempo tão nosso, tão compartilhado.
Sei é que herdei a sua paixão pelas letras, pela leitura, e hoje trabalho com livros.

E dessas escrituras de amor da vida, você foi, você é, para mim, a história mais bonita.

Com amor, com saudade, com gratidão,
Carol.

Amor que eu nunca vi igual
Que eu nunca mais verei
Amor que não se pede
Amor que não se mede
Que não se repete



quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Mas não me queira só por pena.


Eu pensei.
Pensei que seria uma nuvem passageira.
Pensei que seria dessas chuvas de verão que aparecem, deixam estrago, e se vão.
Pensei que nosso tesão permaneceria vivo, afoito e solto no mundo. Solto em nós.
Pensei que nossa paixão resistiria ao tempo e ao vento.
Pensei errado, meu bem.
Sou uma errante. Uma desajuizada. Uma romântica sem cura que não aprendeu nada com as feridas encontradas na estrada.
E hoje, hoje estou aqui, sem jeito, sem fome de vida, sem saída.
Hoje, meu bem, eu estou sem você.
Mas o pior, mesmo, não é estar sem você. O pior é estar sem seu carinho, sem seus olhos irradiantes, sem sua pele preta e sem suas tantas mensagens no celular de bom dia, boa tarde e boa noite.
O pior é estar sem seu toque, seu cheiro e seu suor.
O pior, meu bem, é estar sem a sua negritude.
Fico aqui, me examinando, tentando encontrar o fio da meada. Tentando lembrar o dia exato em que você acordou assim, inerte.
Tô aqui, fazendo um esforço desumano de tentar achar o culpado, o filha da puta, o ladrão da nossa história.
Esse ladrão levou o melhor de nós.
Levou o que nos fazia vivos. Levou a nossa conexão, a nossa harmonia. Levou os nossos planos de futuro e filhos.
Levou nossa paixão.
Deixou – em troca – a rispidez, a impaciência e a falta de vontade.
Deixou o desencanto. Deixou eternos dias frios, chuvosos e cinzas.
Deixou dois corações cansados de tudo. Deixou dois corações desesperançosos do mundo. Deixou dois corações inanimados.
Eu acho que talvez seria bom você saber disso tudo por mim. E, por isso, eu te escrevo.
Escrevo para pedir desculpas por não ter conseguido te tirar da inércia.
Desculpa, meu bem, por ter deixado a enchente inundar nosso caso, nosso quarto e nosso rastro.
Eu te desculpo também por não me amar, por não me querer. Te desculpo por nunca mais ter me procurado.
Eu odeio a tua ausência. Odeio.
Mas, eu te desculpo por isso também.
E por favor, meu bem, não venha me falar do seu novo amor. Não venha me dizer que ela te faz sentir borboletas no estômago.
Eu odiaria saber que existe outra mulher que te faz sentir pleno, como eu fazia.
Não, eu não quero de você o status de amiga. Não agora. Não quero saber que você segue sem mim. Não quero saber que você segue feliz.
Odeio pensar que as reticências foram fatalmente trocadas por um único e mísero ponto final.
Sim, também sei que eu não deveria estar escrevendo nada, absolutamente nada disso.
Sei – sabemos – que o ladrão de nós eu escondo em algum lugar do meu corpo que nem eu mesma sei.
Sei, meu bem, sei que tentamos.
Tentamos o quanto pudemos juntar os nossos pedaços espalhados pelo chão empoeirado da sua casa.
Não nos enganemos. Não foi por falta de tentativa.
Foi por falta de amor.
A paixão acabou e o amor não permanceu. Morreu junto. Será que algum dia existiu?
Eu sei, meu bem, pra mim também é difícil. A verdade nem sempre é bonita e, com raras exceções, ela sempre nos obriga à dor.
E como dói. Como dói ver morrer essa flor. Como dói não ser mais só eu e você.
E como dói, meu bem, como dói não ter mais vontade alguma de te ressuscitar em mim.
Só nos resta as lembranças de ontem.
Só nos resta a lembrança do que um dia fomos.
Só nos resta essas tristes e embaraçosas palavras.
Só nós resta a pressa e a prece.

Só me resta o tempo, meu bem. O tempo.


quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

R.

São Paulo, outubro de 2013.

R., dia desses inventei de reler Vermelho Amargo (como pode um livro tão pequeno, ser tão intenso, tão cortante? por mais que eu já tenha lido outras vezes, ele sempre me dói, sabe?) e me lembrei de você. Se não me engano, por coincidência, te falei sobre esse livro, e você já havia comprado na última Balada Literária. Insisti que você o lesse logo, e você dizia que havia tantos outros na fila. Até que, um dia, recebi sua mensagem: ““Faltava-me garfo para lutar contra a paixão, e amei com desgrenhadas medidas.” Vermelho Amargo é muito bom” Até descobrimos nossos amargores vermelhos: o meu, Ketchup - eca! O seu, tomate.

E fiquei pensando em tudo o que aconteceu, tudo o que não aconteceu, e tudo que poderia ter acontecido. Meu problema é pensar demais, rs. Pra tentar ordenar as ideias, lhe escrevo esta carta.

Você se lembra do show do Milton Nascimento? Acredita que até hoje ouço Amor de índio e Clube da esquina 2 e tenho impressão de que ainda estou lá, no teatro, quase de frente pra ele, sem conseguir conter o choro? Ah, e nada me tira a ideia de que ele aproveitou a música Canção da América pra tirar um cochilo, rs. Olha, eu não erro mais a numeração dos tickets, aprendi que nem sempre o 34 e o 35 ficam lado a lado, rs. Nossos tickets trocados, um quarteirão de cadeiras nos separando e, ainda assim, compartilhamos a mesma emoção. Penso que aquele dia estivemos perto. Pois queríamos estar ali. Queríamos estar juntos.

O Natal está chegando, e no Natal passado, você me disse que seria titio. Combinamos que eu abasteceria a biblioteca da pequena, rs. Os livros ainda estão guardados. E já tenho outra mini biblioteca pra montar, a da minha prima, a Maria Julia.
E por falar na sua sobrinha, vou sempre achar o máximo você ter irmãs com a combinação mexicana do meu nome composto, rsrs.

Acho que o tempo foi injusto com a gente. Como na canção, digo que ele, o tempo, adormece às paixões. E tapo os ouvidos para sua resposta: eu desperto. Pois depois veio o Rio. E tudo mudou. Sinto que tenho tanto a te dizer, mas nunca vou conseguir. Imagino como seria se você tivesse ido também, se tivesse rolado a sua ida como planejamos. Tudo seria diferente. Tudo. Mas já foi. E foi como tinha de ser.

Na volta, passei a virada do meu aniversário contigo. E você me disse que isso é coisa séria, rs. Mesmo sendo sério, o fato é que não estávamos ali. Tudo já estava desencontrado, e por mais que tentássemos, os trilhos seguiam destinos opostos. Nossa festa era festa pronta pra acabar.

Quando voltei do Carnaval, eu estava ansiosa pra te encontrar. Naquele momento, você era o que eu poderia ter de mais seguro, me agarrei à ideia de que você poderia deixar todos os meus fantasmas para o lado de fora. Mas quando nos encontramos, no mesmo teatro onde assistimos o Milton, desta vez, com os ticksts certos, lado a lado, tive a certeza que não existia mais nada. E nunca estivemos tão distantes. Senti frio. Foi ali que começou. Foi ali que terminou. Até hoje, não entendo algumas coisas e algumas perguntas atropelam os meus pensamentos.

Mas o carinho e a amizade nunca deixaram de existir. Sinto falta de compartilhar minhas leituras contigo. E dizer que Alejandro Zambra fica infinitamente melhor depois da segunda leitura. E que ainda acho que você se parece muito com o Julián, do A vida privada das árvores. E que ainda não sei dizer ao certo se sou o Álamo ou o Baobá, rs. Ah, também quero dizer que você é um dos caras mais lindos e mais sensíveis que já conheci. Tenho certeza, irei a muitos lançamentos de livros seus. Você me indicou Borges e me apaixonei, rs. O poema A Biblioteca me emociona. Você ouviu o novo CD do Amarante? Gostei de algumas. Mas queria mesmo é Los Hermanos de novo, rs.

Não consigo terminar esta carta. Sempre acho poderia ser melhor, que eu poderia trançar melhor essas linhas mal escritas, sempre acho que te devo mais.

Um abraço apertado. Um beijo. E até mais um dos nossos encontros a gosto do acaso.

Carol.

Nada tem que dar certo
Nosso amor é bonito
Só não disse ao que veio
Atrasado e aflito
E paramos no meio
Sem saber os desejos
Aonde é que iam dar
E aquele projeto
Ainda estará no ar...



terça-feira, 26 de novembro de 2013

Hoje eu acordei pensando em você


Rio de Janeiro,  Botafogo, dezembro de 2012.



Oi, amiga. Linda amiga. Amada amiga.
Hoje eu acordei pensando em você. Lembrei que você sempre me acordava com música alta e se irritava quando eu me demorava na cama. Lembrei que você gostava de sair para caminhar às 07h da manhã ao som de um bom reggae. Lembrei que seus olhos miúdos observavam tudo. Olhos de coruja, eu dizia. Lembrei, minha amiga, que eu já não te vejo há exatos cinco anos.
 
Cinco dolorosos anos em que só ficou, de nós duas, a dor da saudade. Mas não é só dor. É uma angústia infinda. Aquela angústia de saber que talvez eu nunca mais te veja. Aquela angústia de saber que seus olhos miúdos já não me pertencem. Aquela angústia que que me faz acordar assim, doente de saudade.
 
Acho que também lembrei de você por conta do verão. Lembro bem que você venerava a praia, o sol, o mar. Gostava de virar camarão. E sempre dizia, toda feliz, que estava ficando pretinha, feito eu. Você me acolheu sem pedir nada em troca. Você me dava a sua vida de presente todos os dias. Você sofreu comigo a dor do preconceito. Guerreou comigo, e mesmo sendo branquinha e bonequinha, tomou a briga pra si. Você me dizia: eu também sou responsável, essa luta também é minha.
 
Linda amiga. Já são tantas e tantas cartas acumuladas pra você e sobre você, que eu transformei todas elas em um móvel da minha sala. Ficam ali, ao lado do sofá, empilhadas umas às outras clamando resposta. Eu já não sei mais seu endereço. Tenho medo de saber. Tenho medo de ter notícias de você. Tenho medo de descobrir que você acorda alguma outra amiga com música alta. Nutro um ciúme silencioso, doentio e inútil por você.
 
Queria poder te contar dos meus dias, dos meus amores, das minhas moradas. Queria poder te dizer que eu já tenho 4 sobrinhos e que o meu irmão caçula se tornou um homem alto, lindo, que anda de skate e ouve Ponto de Equilíbrio. Lembra aquele dia do campeonato de arroto? Lembra como ele era um menininho? Pois é, ele cresceu junto com o tempo. Lembra que eu odiava o Rio de Janeiro? Pois é, minha amiga, eu paguei com minha língua e hoje eu moro nessa cidade maravilhosa. E morro de amores por ela todos os dias.
 
Esses dias, andando pela Lapa, me veio à memória o dia em que você me falou que gostava do Rio de Janeiro porque gostava das coisas simples da vida, como as batidas do reggae - aliás, quase tudo na vida você comparava às batidas do reggae. Eu retruquei, disse que no Rio de Janeiro só tinha praia e que praia tinha no Brasil inteiro. Pobre de mim. Coitada de mim. Diminuí o Rio aos seus bons quilômetros de Copacabana e Ipanema.O Rio é Copacabana e Ipanema. Mas é mais. Muito mais. O Rio é paradoxo, é caos, é beleza imensurável, é ousadia, é enfrentamento, é vida, é samba. O Rio é reggae. Eu aprendi a amar esse lugar, minha amiga, dia-a-dia. Ele foi me conquistando - do Funk à Bossa Nova - foi me enfeitiçando, foi me pegando com tesão. Quando eu me vi, estava submersa nas ruas, nos cheiros, nos quereres. O Rio me permitiu viver tudo, amiga. Eu disse tudo. Exatamente do jeito que você está pensando.
 
Aquele meu amor pelo samba, continua. Mais forte ainda, eu diria. Morar em uma cidade que respira repique, pandeiro e tamborim só fez esse amor se transformar em um pedaço de mim. Encontrei algumas paixões pelo caminho. Colecionei um tantinho de lágrimas com a mesma intensidade em que colecionei risos. Deus me deu a oportunidade de conhecer amigos. Amigos de cerveja, de bebedeira, de choro, de luta. Amigos de fé e de cumplicidade. Amigos que me acolheram também. Amigos, desses assim como você, que o tempo não apaga.
 
Tô escrevendo pra você enquanto eu observo o céu carioca. Acho que essa carta, na verdade, é uma prece. Acho que é oração. Acho que é o jeito que eu tenho encontrado, todos esse anos, de te manter viva em mim. Acho que é um pedido silencioso para que você venha. É uma carta egoísta. Hoje, minha amiga, eu queria você só pra mim.
 
E sim, eu acho que se eu fizer um esforço, eu consigo te reencontrar. Mas me falta a coragem. Tenho medo, receio. Talvez eu precise que você permaneça na minha vida exatamente assim, transformada em cartas e mais cartas e mais cartas.
 
Quem sabe, minha amiga, você seja na minha vida as batidas do reggae.Ora pausadas, ora demoradas, ora doídas.
 
Eu, de minha parte, te ofereço o batuque do meu samba.
 
Te ofereço mais. Te ofereço todas as minhas palavras, todos os meus acentos e todos os meus versos.
 
Te ofereço o meu mistério. O resto, minha amiga, o resto é bobagem. Bobagem.
 
Lu.
 
 



domingo, 17 de novembro de 2013

Kimi

São Paulo, Liberdade, junho de 2013.

Kimi,

Hoje, domingo, passei pela Liberdade e pensei em você.
As ruas do bairro mudaram, a praça mudou, não vejo mais o seu banco preferido - onde nos conhecemos, por sinal. Os rostos já não são familiares. Tudo diferente. Eu também mudei. E, desde àquele domingo, já se passaram 6 anos. Numa outra vez, passei pelo prédio e descobri que o Sr. Fujimoto se mudou para Santos. Eu queria notícias suas, também queria saber como foi que você partiu. O porteiro não se lembrou de você.

Doeu perceber que o seu rosto, sua vida, cairam no esquecimento. Realmente, permanecemos para poucos. Gostaria de dizer que, em mim, você ficou. Ficou o seu nome, sua voz, seus olhos pequeninos e rasgados, ficou o seu sorriso tímido.
Me lembro, também, Kimi, do dia que toquei em seus cabelos brancos e a vi se encolher feito bichinho assustado, dizendo: “Kimi não sabe receber carinho. Kimi nunca teve carinho.” Eu te ensinei carinho, Kimi, e você me ensinou que o coração e a alma falam aquilo que a boca não dá conta de dizer. “Moça não tem de preocupar que não sabe falar japonês, coração fala, e Kimi vê o coração de moça”. Ensinar carinho para uma mulher de 90 anos e, de graça, aprender que, para tocar e alcançar o outro, basta o pouco que temos. Basta querer. Basta sentir. Basta ter coração.
Coração foi a sua linguagem. Me lembro que te fiz uma poesia, e sua resposta foi: “Parece que moça leu o coração de Kimi”.

E, por falar em coração, na última vez em que nos vimos e você estava lúcida, eu estava sozinha e não tive coragem de dizer que não namorava mais “o moço”. Vocês se gostavam tanto. Peço desculpas por não ter te contado, quis poupá-la.  Fosse hoje, eu contaria.
O amor acaba, não é? E aquele amor se findou, ou melhor, se transformou só em carinho. Outras pessoas vieram, e conheci a paixão, D. Kimi. Descobri que paixão dói. Mas, me senti viva e, por isso, feliz. Descobri tantas outras coisas que o coração é capaz de sentir. Descobri, ainda, que se tratando dos quereres, somos e seremos sempre aprendizes. E o amor está aí, à espreita, chega quando menos esperamos, sempre pronto a nos pregar peças, sabores e dissabores.

Ainda guardo o seu broche - em formato de flor. E a presilha, tão linda, usei algumas vezes, mas perdi numa mudança. Uma pena. Adoraria usá-la de novo, combinava com a cor do meu cabelo.


Sabe as histórias que você me contava, de sua juventude? Continuam vivas. Histórias não morrem, transpõem tempo, espaço, gerações, cores, cheiros, e permanecem inteiras em tudo o que a memória achou por bem eternizar. A nossa história será uma dessas. Sei que um dia ela chegará aos ouvidos de meus filhos, netos, das pessoas que eu amo.

Quando a vi pela última vez, você estava mal, inconsciente, mas se agitou e se debateu quando ouviu a minha voz. Você me reconheceu? Sinto que sim, Kimi, e isto me conforta. Conforta pois sei que nunca deixei de dizer o quanto foi lindo esta nossa conexão. Conforta pois sei que nosso encontro foi também de almas. E esta cena já é das coisas mais marcantes da minha vida.
Agora, permanece a saudade. Permanece a certeza de que a vida é a arte do encontro. E, que bom ter te encontrado. Domo arigato gozaimashita!

Com amor, Carol/Moça.


"Quero que saibas que me lembro
Queria até que pudesses me ver
És parte ainda do que me faz forte
E, pra ser honesto,
Só um pouquinho infeliz.
Mas, tudo bem
Tudo bem."

sábado, 2 de novembro de 2013



Gosto de cartas. Sempre gostei.

Gosto tanto, que das muitas e tantas cartas que eu escrevi – e escrevo – raras são as que não voltam para a última gaveta da minha escrivaninha. Umas se amontoam às outras em meio à poeira. Poeira que permanece ali não por falta de limpeza, mas pelo excesso das marcas que o tempo insiste em deixar.
Eu tenho uma timidez que me incomoda. Tenho uma falta de coragem de olhar para aqueles olhos castanhos e dizer o quanto são lindos, o quanto me encantam. Aí, por não verbalizar, eu transformo aqueles olhos castanhos em uma, duas, mil cartas. Esses olhos castanhos transformam-se em pretos, amarelos, coloridos – a depender do meu estado de humor e do meu grau de inspiração.
Eu estabeleço com minhas cartas uma relação democrática de me arriscar sempre que quero. Elas me permitem sonhar. Mais do que sonhar. Elas me permitem transformar meus sonhos em palavras, em momentos, em história. Elas aceitam a minha raiva e a minha dor. Aceitam os meus extremos.
E ficam ali, guardadas e escondidas na tal gaveta. Me falta a tal da coragem de ir ao correio. Não gosto de pensar em como seria a reação daqueles olhos castanhos ao saber que, para mim, são os olhos castanhos mais lindos que eu encontrei nos vagões da vida. Não gosto de parecer ridícula, mesmo sabendo que a ridicularidade está presente em quase todos aqueles sensíveis à vida.
Confesso que dia desses eu cheguei a ir ao correio. Me veio uma coragem repentina e eu, no meio do trabalho, pensei – é agora – e inventei alguma desculpa qualquer pro meu chefe. Cheguei ao correio, cheguei a pegar a senha A28. Permaneci ali - linda, feliz e corajosa - até que o atendente grisalho gritasse em alto e bom som: Senha A28, por favor.
Estremeci. Minhas pernas bambearam. Um misto de pânico, terror e aflição. Desisti. Fingi que não era comigo e saí de lá como quem foge de um cão raivoso. Não sei. Não sei se desisti porque no fundo eu não queria que essa carta chegasse ao seu destinatário ou se é porque eu me senti intimidada pela chamada pouco discreta do atendente grisalho. Quando ele me gritou a tal da senha A28, pra mim foi como se ele falasse – Ridícula romântica da parada que vai se declarar para um tal de olhos castanhos que nem é tão bonito assim, venha pagar seu mico. 
Juro. Me senti despida. Parecia que o tal do atendente e todas aquelas 30 pessoas que ali aguardavam sabiam de todo o conteúdo da carta. Pareciam debochar de mim. Então, eu desisti. 
Voltei pro trabalho. Me frustrei. Me acusei. Me puni. E escrevi, depois desse episódio, tantas outras cartas. Todas tiveram o mesmo destino – a tal da última gaveta da escrivaninha.
Quase todas, quero dizer. Digo quase todas porque, feliz que sou, encontrei nessa minha estrada alguém que também passou a vida escrevendo. Passou a vida se frustrando. Passou a vida olhando com pavor o tal do atendente grisalho. Aliás, #quem nunca?
Assim, em meio ao alvoroço dessa nova onda tecnológica em que para se enviar uma carta é necessário apenas um enter, nós - eu e ela - resolvemos juntar nossa timidez para que ela se transformasse em coragem. Ou melhor, para que ela se transformasse em um endereço eletrônico público em que, lá das ilhas Maldiva, alguém leia e ria das nossas ridicularidades, e se reconheça nela.
Nós, eu e ela, resolvemos assumir o mais ridículo em nós, o mais brega. Decidimos que nossa verdade deve ser compartilhada. E cá estamos.
As cartas, em nossas vidas, cumpre uma função que eu considero fundamental. Elas nos permitem que não percamos a ternura.
Podemos perder a postura, o prumo, o trato. Mas não podemos perder a ternura, jamais.
Que façamos dessas cartas poesias.
E - pra vida ter mais sentido - que sejamos poesia. Poesia.

Luana Rocha.