quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Mas não me queira só por pena.


Eu pensei.
Pensei que seria uma nuvem passageira.
Pensei que seria dessas chuvas de verão que aparecem, deixam estrago, e se vão.
Pensei que nosso tesão permaneceria vivo, afoito e solto no mundo. Solto em nós.
Pensei que nossa paixão resistiria ao tempo e ao vento.
Pensei errado, meu bem.
Sou uma errante. Uma desajuizada. Uma romântica sem cura que não aprendeu nada com as feridas encontradas na estrada.
E hoje, hoje estou aqui, sem jeito, sem fome de vida, sem saída.
Hoje, meu bem, eu estou sem você.
Mas o pior, mesmo, não é estar sem você. O pior é estar sem seu carinho, sem seus olhos irradiantes, sem sua pele preta e sem suas tantas mensagens no celular de bom dia, boa tarde e boa noite.
O pior é estar sem seu toque, seu cheiro e seu suor.
O pior, meu bem, é estar sem a sua negritude.
Fico aqui, me examinando, tentando encontrar o fio da meada. Tentando lembrar o dia exato em que você acordou assim, inerte.
Tô aqui, fazendo um esforço desumano de tentar achar o culpado, o filha da puta, o ladrão da nossa história.
Esse ladrão levou o melhor de nós.
Levou o que nos fazia vivos. Levou a nossa conexão, a nossa harmonia. Levou os nossos planos de futuro e filhos.
Levou nossa paixão.
Deixou – em troca – a rispidez, a impaciência e a falta de vontade.
Deixou o desencanto. Deixou eternos dias frios, chuvosos e cinzas.
Deixou dois corações cansados de tudo. Deixou dois corações desesperançosos do mundo. Deixou dois corações inanimados.
Eu acho que talvez seria bom você saber disso tudo por mim. E, por isso, eu te escrevo.
Escrevo para pedir desculpas por não ter conseguido te tirar da inércia.
Desculpa, meu bem, por ter deixado a enchente inundar nosso caso, nosso quarto e nosso rastro.
Eu te desculpo também por não me amar, por não me querer. Te desculpo por nunca mais ter me procurado.
Eu odeio a tua ausência. Odeio.
Mas, eu te desculpo por isso também.
E por favor, meu bem, não venha me falar do seu novo amor. Não venha me dizer que ela te faz sentir borboletas no estômago.
Eu odiaria saber que existe outra mulher que te faz sentir pleno, como eu fazia.
Não, eu não quero de você o status de amiga. Não agora. Não quero saber que você segue sem mim. Não quero saber que você segue feliz.
Odeio pensar que as reticências foram fatalmente trocadas por um único e mísero ponto final.
Sim, também sei que eu não deveria estar escrevendo nada, absolutamente nada disso.
Sei – sabemos – que o ladrão de nós eu escondo em algum lugar do meu corpo que nem eu mesma sei.
Sei, meu bem, sei que tentamos.
Tentamos o quanto pudemos juntar os nossos pedaços espalhados pelo chão empoeirado da sua casa.
Não nos enganemos. Não foi por falta de tentativa.
Foi por falta de amor.
A paixão acabou e o amor não permanceu. Morreu junto. Será que algum dia existiu?
Eu sei, meu bem, pra mim também é difícil. A verdade nem sempre é bonita e, com raras exceções, ela sempre nos obriga à dor.
E como dói. Como dói ver morrer essa flor. Como dói não ser mais só eu e você.
E como dói, meu bem, como dói não ter mais vontade alguma de te ressuscitar em mim.
Só nos resta as lembranças de ontem.
Só nos resta a lembrança do que um dia fomos.
Só nos resta essas tristes e embaraçosas palavras.
Só nós resta a pressa e a prece.

Só me resta o tempo, meu bem. O tempo.


2 comentários:

  1. É tudo o que eu queria dizer e não disse. Guardei na gaveta e no fundo do coração, enterrado em algum canto.

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  2. Que carta doída, que carta linda. Me lembrou Rubem Braga, com a crônica Despedida.

    E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

    Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

    E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

    Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

    Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

    A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.

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