terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Amor de Maria

São Paulo, Vila Mariana, 9 de dezembro de 2013.

Vó, esta noite sonhei contigo, não me lembro o quê, mas sei que vi o seu rosto. E eu gosto quando sonho contigo, sinto que estivemos juntas de novo. Sonho é realmente uma maneira de estar perto. Alguns sonhos são tão reais que acordo e corro pra escrevê-los, numa tentativa de guardar as sensações. Sonhar me permite ser livre e eu gosto de liberdade. Nos sonhos desafio às leis da física, desafio a geografia, posso ser mil coisas ao mesmo tempo. E quando recebo a bênção de encontrar os seus olhos – que nunca soube definir se eram verdes ou azuis – sinto uma enorme gratidão.

Foi num dezembro que você se foi, e já se passaram 8 anos. Nem dá pra acreditar. Fica um gostinho de saudade. Saudades do seu cafuné, do seu carinho meio desajeitado, do seu cuidado comigo. Das risadas. E saudades, também, de te cuidar.
Dia desses, lembrei que quando eu era criança, detestava me despedir dos outros, principalmente de você. Mês de férias, quando viajávamos para o interior, eu não me preparava para a viagem, me preparava para as despedidas, sabia que ia sofrer. E era um baita chororô, eu de um lado e a senhora do outro. Continuo odiando despedidas, continuo chorando na hora do tchau. Mas contigo, eu contava com o reencontro.
Aí, quando você se foi - pra sempre – se foi em silêncio, se foi de surpresa, foi sem dar tchau. Foi sem que eu pudesse me despedir. Na última vez que a vi, você estava com um rosto sereno. Você trocou a dor da despedida, o choro, por um boa-noite com sorriso.
Sabe que naquela manhã chuvosa, antes de a encontrar, acordei morrendo de vontade de beber o seu café? Sabe, também, que naquela manhã, como em todas as outras, se eu pudesse, diria mais uma vez o quanto a amo?

E por falar em amor, vó, você foi minha maior experiência de amor. Amor de graça. Amor puro. Amor sem interesse. Amor de tanto, amor de muito. Amor de cumplicidade no olhar, amor de admiração. E eu sempre a admirei. É bem verdade que quem traz no corpo essa marca, Maria, mistura a dor e a alegria. Mais verdade ainda: carrega essa estranha mania de ter fé na vida. Sua fé, seu amor, me transformaram, vó. Você sempre acreditou que haveria para mim um caminho de paz, mesmo quando não havia motivos para assim o imaginar. E, hoje, mesmo que cambaleando, mesmo que com passos tortos, eu tento seguir adiante. Eu tento me manter em pé. Eu tento escolher o caminho do bem. Eu tento lembrar que também trago no coração essa marca sua, essa marca Maria.

E suas sementes, vó, continuam florescendo. Ganhamos outra Maria, a Maria Julia, ela é linda, muito linda, e todos dizem que tem os seus olhos. Quando estamos todos juntos, sempre pensamos que a senhora seria a bisa mais babona desse mundão, rs.

Vó, eu sempre achei incrível que você soubesse ler, ainda que não conseguisse escrever nem mesmo o próprio nome. E como eu adorava quando a senhora lia pra mim, sabia? Não sei se pelos óculos engraçados, não sei se pelo prazer de estar grudada a você, num tempo tão nosso, tão compartilhado.
Sei é que herdei a sua paixão pelas letras, pela leitura, e hoje trabalho com livros.

E dessas escrituras de amor da vida, você foi, você é, para mim, a história mais bonita.

Com amor, com saudade, com gratidão,
Carol.

Amor que eu nunca vi igual
Que eu nunca mais verei
Amor que não se pede
Amor que não se mede
Que não se repete



Um comentário:

  1. Thais.. que bonito o que escreveu.
    E lembro daquele sábado chuvoso...
    Bjs
    Vivians

    ResponderExcluir